"Uma obra pública significa que é para a população e informar as pessoas é fundamental" Manuel Reis (projetista das obras de revitalização do Castelo de Montalegre)
Redigido por Rui Maio
13 dezembro 2018
O Castelo de montalegre e o betão armado
O Castelo de Montalegre, situado na freguesia, vila e concelho de Montalegre (distrito de Vila Real), foi construído na segunda metade do século XIII, no âmbito do movimento empreendido por D. Afonso III para a reorganização das fronteiras a oeste e a este de Chaves. Juntamente com o Castelo de Portelo e o Castelo da Piconha, integrava o conjunto defensivo das Terras do Barroso. Erguido na cota de 980 metros acima do nível do mar, o Castelo de Montalegre conserva ainda hoje as suas principais caraterísticas enquanto fortaleza gótica, nomeadamente as suas quatro torres e a planta ovalada da praça de armas. A torre de menagem é mesmo a principal peça do conjunto militar, apesar de ter sido construída já durante o reinado de D. Afonso IV e concluída em 1331, justificando por isso a maior altura e secção que apresenta relativamente às restantes torres. Encontram-se documentadas as campanhas de requalificação do Castelo de Montalegre levadas a cabo no século XV, durante o reinado de D. João II, no século XVII, devido à Guerra da Restauração, e ainda, esta mais recentemente, na década de 90, após a população local ter reivindicado uma intervenção de restauro.
O Castelo de Montalegre encontra-se atualmente sujeito a obras de "revitalização", que irão decorrer até Junho de 2019 e que, de acordo com o presidente da Câmara Municipal de Montalegre, Orlando Alves, vão custar 1,5 milhões de euros. Não fosse a presença discreta das aspas na frase anterior, esta notícia provavelmente passaria despercebida aos nossos olhos. No entanto, e uma vez mais graças ao sentido e responsabilidade cívica de alguns cidadãos e respetivos movimentos associativos, como por exemplo o movimento "Castelo de Montalegre? Com betão não" ou "Repensando a Idade Média", este caso encontra-se longe de passar despercebido. Vejamos então porquê...
Em primeiro lugar é fundamental esclarecer que este projeto, já em execução, não só está a ser comparticipado por fundos comunitários, com a autarquia a assumir 15% dos 1,5 milhões de euros previstos, como foi aprovado pela Direcção Regional de Cultura do Norte (DRCN) no âmbito de um protocolo celebrado entre esta e o município de Montalegre, inserido na operação “Castelos a Norte”. O primeiro problema começa com o projeto de revitalização que tendo já sido aprovado, continua guardado no segredo dos deuses, apesar de já ter sido solicitado para consulta quer pelos cidadãos quer por pessoal técnico. Em segundo lugar, importa tentar perceber, mesmo sem ter acesso ao projeto, em que consistem exatamente as obras de revitalização.
Comecemos por analisar um excerto a entrevista que Orlando Alves deu à Agência lusa, publicada no website Publituris no dia 2 de agosto de 2018. Segundo o autarca, as obras em curso, de “execução muito complicada, com um investimento caríssimo”, vão permitir “abrir o castelo à comunidade”. Orlando Alves acrescenta que "as intervenções vão incidir nas torres do castelo e na praça de armas, prevendo ainda a consolidação da muralha abaluartada, da rede de drenagem de águas pluviais e águas freáticas e a beneficiação dos arruamentos e largos envolventes", mas sem nunca especificar como é que as intervenções serão feitas. O autarca frisou ainda que “Montalegre terá mais um elemento de atractividade. Espero que as pessoas saibam perceber o grande esforço que está a ser feito pela autarquia”. Apesar da confiança e assertividade transmitidas pela maioria das declarações supracitadas, Orlando Alves parece demonstrar uma certa insegurança quando diz "Espero que as pessoas saibam perceber o grande esforço que está a ser feito pela autarquia". De facto, consciente de que os municípios e as freguesias têm fontes de financiamento maioritariamente decorrentes do Orçamento de Estado, de impostos e taxas municipais, e por saber que o esforço da autarquia deriva em grande parte do seu próprio esforço, a população local foi curiosa o suficiente para perceber e denunciar o que está a ser feito na "sala de visitas de referência do seu município".
Já o projetista da obra de "revitalização", Manuel Reis, numa entrevista à Rádio Montalegre, começa por lembrar que "uma obra pública significa que é para a população e informar as pessoas é fundamental". Não podendo concordar mais com estas palavras, não entendo o porquê do projeto ainda não ter sido disponibilizado para consulta pela autarquia. O projetista acrescenta que "hoje em dia as pessoas são muito mais participativas e gostam de perceber como as coisas se desenvolvem. Trouxe uma imagem para que percebam o resultado final. Senti que consegui esclarecer o projeto". A mim parece-me estranho que, numa altura em que "as pessoas são mais participativas e gostam de perceber como as coisas se desenvolvem", o projetista tenha conseguido esclarecer o projeto apenas com o auxílio de uma imagem, que mais uma vez, não foi ainda tornada pública. Manuel Reis, pelas suas declarações na mesma entrevista, parece estar consciente das exigências que um projecto de revitalização de um monumento histórico obriga: "Enquanto projetista temos um conjunto de obrigações para o património. No sentido de proteger o recinto interior do castelo, como nos foi pedido, temos um conjunto de regras que têm a ver com a Carta de Veneza e não só. Obrigam-nos a intervir de uma determinada maneira. O princípio é manter e preservar as estruturas originais e fazer uma intervenção contemporânea. O mais importante é o caráter reversível de toda a estrutura que é perfeitamente anulável sem desrespeitar o património existente".
O grande problema aqui, é que uma vez mais, a população atenta e curiosa, descobriu duas grandes inconformidades entre as declarações do projetista e os trabalhos que estão a ser executados em obra. Ao contrário das preocupações avançadas por Manuel Reis, nomeadamente na questão da preservação da estrutura original e caráter reversível do projeto, a verdade é que existem provas de que as obras não respeitam esses mesmos princípios. Essas provas assentam em alguns registos fotográficos que cidadãos não identificados fizeram chegar ao movimento "Castelo de Montalegre? Com betão não", que através da sua página de facebook, prontamente as divulgou. O resultado é o que está à vista nas imagens em baixo. O movimento "Repensando a Idade Média" para já tem trabalhado no sentido de divulgar o caso nas redes sociais, tendo já enviado uma denúncia para o Ministério Público (DCIAP) e lançado uma petição pública contra os trabalhos em execução.
Entretanto os trabalhos no Castelo de Montalegre não param. Existem mesmo relatos de que, por exemplo, o paço de armas, zona alvo de vários levantamentos e escavações arqueológicas documentadas no Portal do Arqueólogo, foi escavado e será em breve coberto com betão de forma a nivelar esse espaço. Este caso tem sido divulgado e denunciado em diversos canais de comunicação, e foi também já comunicado ao Fórum do Património, pelo que se esperam esclarecimentos adicionais por parte dos intervenientes no processo muito em breve. Numa entrevista publicada no Diário de Notícias, no dia 12 de dezembro, Orlando Alves disse "Este alarido não faz sentido, o castelo obedece a um projeto concebido por uma equipa técnica qualificada que cumpre com as diretivas internacionais e as convenções, nomeadamente a Convenção de Veneza". A ser verdade, resta agora apurar se e o porquê do projeto não estar a ser cumprido. Por outro lado, seria conveniente que Orlando Alves esclarecesse o porquê da empresa Altura Dinâmica, Lda., não sendo aparentemente uma empresa municipal, ter ganho praticamente todos os concursos públicos da autarquia de Montalegre desde 2015 (foram 60 até ao momento, de acordo com os números disponíveis pelo website racius).
Cortesia do movimento "Castelo de Montalegre? Com betão não"
Nesta fotografia é visível a introdução da escadas em betão armado, que como ficará claro nas próximas fotografias, não aparenta de todo ser uma solução arquitectónica reversível.
CORTESIA DO MOVIMENTO "CASTELO DE MONTALEGRE? COM BETÃO NÃO"
Pormenor dos muros e pilares de pedra que, talvez por não fazerem parte da estrutura original do conjunto, foram removidos neste projeto de revitalização.
CORTESIA DO MOVIMENTO "CASTELO DE MONTALEGRE? COM BETÃO NÃO"
Pormenor da escada em betão armado...